De Salvador à Câmara: reflexões entre goles e história


Por Joel Martins Cavalcante*

Caro leitor, leitora, antes de mais nada, feliz ano novo! A gente sabe que, no Brasil, o ano só começa de verdade depois do Carnaval. E olha, o meu começou daquele jeito!

Passei o Carnaval em Salvador, na Bahia. Vivi de tudo um pouco. Experiências incríveis, algumas nem tanto. Quer um exemplo? Meu ombro deslocou no meio da folia! Pensa na pior dor da vida. Eu senti. Tiveram que me sedar totalmente, apaguei bonito. Acordei delirando, falando umas coisas sem nexo, lembro de associar Antônio Carlos Magalhães e Lula na defesa do SUS, dos direitos humanos, etc. Sei que chorei de dor e depois chorei de alegria.

Dividi um apartamento com cinco amigos na Barra, bem perto do circuito do carnaval soteropolitano. A gente foi curtindo, bebendo, e em algum momento, entre um gole e outro de cerveja, a conversa caiu em política. Clássico, né? Coincidentemente, dois deles moram no Geisel, bairro que também morei assim que cheguei na capital. Aí puxei um papo sobre uma sessão na Câmara Municipal, em fevereiro, onde rolou um debate sobre a mudança dos nomes de alguns bairros de João Pessoa que ainda homenageiam figuras da ditadura militar.

Os nomes que colocamos nas nossas ruas e bairros contam histórias – tanto do que escolhemos quanto do que insistimos em esquecer.

Contei pra eles que tive a chance de discursar lá. E talvez seja coisa de professor de História (ou só minha mania de refletir demais), mas sempre acreditei que a cidade ensina. Os nomes que colocamos nas nossas ruas e bairros contam histórias – tanto do que escolhemos lembrar quanto do que insistimos em esquecer.

Já morei no Geisel, trabalhei no Valentina, vivo circulando pelo Castelo Branco e, hoje, moro perto da Ranieni Mazzilli (todos nomes relacionados aos 21 anos sombrios da ditadura militar brasileira). Meu bairro, Cristo Redentor, lembra um homem torturado pelo poder romano, um símbolo de resistência e de exemplo a ser seguido. Dá um certo alívio. Imagina morar num bairro chamado Pôncio Pilatos? Ia ser complicado.

Nessa sessão da Câmara, um vereador conservador (bem extrema-direita mesmo) resolveu citar um trecho do Salmo 32, falando sobre o amor de Deus pela justiça e pelo direito. Na minha fala, coloquei que, no fim das contas, o que estávamos debatendo era exatamente isso. Justiça, direito, verdade. Isso não é só história, é presente. É coisa que importa agora.

E, leitor, ninguém quer apagar a história. Muito pelo contrário! A ideia é contá-la com honestidade. Porque homenagear gente que representou tortura e censura não é preservar a verdade histórica – é distorcer os fatos.

A Constituição de 1988, que foi conquistada na base da luta, diz que a dignidade da pessoa humana é um princípio fundamental. Mas que dignidade existe em manter no espaço público nomes que simbolizam opressão? Isso machuca a memória de quem sofreu, fere a dignidade e prejudica a construção de um país que encara seu passado para que ele não se repita.

Educação não acontece só na escola. A cidade também ensina. E uma cidade que respeita sua história é aquela que repara, que transforma, que dá voz a quem foi silenciado. Mudar esses nomes não é frescura, é um compromisso com a verdade. É garantir que nossas crianças cresçam sabendo quem realmente merece ser lembrado. É reafirmar, sem medo, que não há democracia sem memória, não há justiça sem verdade e não há futuro sem respeito ao passado.

No final das contas, não sei se consegui convencer totalmente meus amigos. Mas, pelo menos, o álcool ajudou a esquentar o debate!

*Joel Martins Cavalcante é professor de História da rede estadual de ensino da Paraíba e militante dos Direitos Humanos e do Movimento Brasil Popular.

**A opinião contida neste texto não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato Paraíba.

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