Defendida por Lula, megaponte entre Salvador e Itaparica é alvo de críticas de ambientalistas


Defendido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e pelo ministro Rui Costa, da Casa Civil, o projeto para construção de uma ponte que ligará Salvador (BA) à Ilha de Itaparica, incluído no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), é contestado por especialistas e pescadores, que temem efeitos nocivos ao meio ambiente. Com 12,4 quilômetros de extensão sobre a água, a estrutura localizada na Baía de Todos os Santos seria a maior da América Latina, superando a Ponte Rio-Niterói.

No início do mês, Lula afirmou que a construção, isenta de impostos federais, já está “acertada”. Segundo o petista, a obra contará com investimento de R$ 11 bilhões e representará uma “revolução para o desenvolvimento da Bahia”. A execução do empreendimento será viabilizada a partir de uma Parceria Público-Privada (PPP) entre o governo estadual — comandado pelo também petista Jerônimo Rodrigues, que sucedeu o próprio Rui Costa no cargo — e um consórcio chinês.

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o governador Jerônimo Rodrigues — Foto: Henrique Raynal/Divulgação Casa Civil
O ministro da Casa Civil, Rui Costa, e o governador Jerônimo Rodrigues — Foto: Henrique Raynal/Divulgação Casa Civil

— Foi um parto difícil. O Rui Costa sabe o quanto ele sofreu. Quantas vezes eu falei: “Oh, meu amigo, e a nossa ponte?” — disse Lula ao “Jornal da manhã” no dia 2 de julho.

Morador de Itaparica, o engenheiro ambiental Joselito Alves cobra uma revisão dos estudos de impacto ambiental. Para o especialista, a obra vai permitir a expansão do agronegócio e da mineração na cidade, o que ameaçaria a biodiversidade local:

— Vai causar grande impacto à Baía de Todos os Santos. É uma área de produção de pescados e migração de espécies, como baleias e golfinhos, que terão agora esse anteparo.

Os primeiros projetos para uma ponte no local surgiram nos anos 1970, mas não avançaram. Em 2010, o debate foi retomado pelo então governador Jaques Wagner (PT). A previsão da gestão de Jerônimo Rodrigues é a construção comece até junho de 2026.

Um inquérito no Ministério Público da Bahia (MP-BA) avalia o processo de licenciamento e os possíveis danos em Itaparica. Uma segunda investigação, conduzida pelo Ministério Público Federal (MPF), analisa como se deu o a consulta prévia aos povos impactados pela obra.

— Há indícios de problemas nos estudos. Identificamos várias lacunas e equívocos. Exigimos, então, uma reconfiguração — afirma a promotora Cristina Seixas, do MP-BA.

Integrante do povo Tupinambá em Itaparica, o pescador Rafael Tamandaré revela o temor de que a obra traga mais especulação imobiliária e desmatamento, além de uma piora no saneamento básico:

— Muitos rios estão poluídos por desgaste do esgoto doméstico, principalmente os que estão perto de comunidades. O impacto é enorme. Para algumas culturas, a natureza não tem muita importância, mas para nós ela é vital.

Um estudo apresentado numa audiência pública realizada pelo MPF em junho mensurou o impacto da obra nos territórios de populações tradicionais. Segundo o documento, há 120 terreiros, dezenas de pequenas colônias de pescadores, comunidades quilombolas, ciganas e indígenas na região. O órgão recomendou acordos para minimizar as consequências na vida destes grupos. Um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) foi assinado pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo governo do estado da Bahia.

Secretário da Casa Civil da Bahia, Afonso Florence afirma que o projeto é uma prioridade para o estado por proporcionar uma expansão metropolitana de Salvador, que “não tem mais para onde crescer”:

—Minha impressão é que a obra é amplamente aprovada na Bahia. Até a oposição reclama, mas que está demorando a sair. Estamos fazendo as pesquisas de forma correta, e as reivindicações dos grupos afetados serão atendidas.

O consórcio chinês venceu o leilão para a construção e administração da ponte em dezembro de 2019, sob previsão de R$ 7,6 bilhões em gastos. As empresas pediram, posteriormente, um reajuste no valor com o argumento de aumento dos juros e do preço dos materiais de construção e do aço no mercado internacional.

O embate terminou no Tribunal de Contas do Estado (TCE), que recalculou o custo para R$ 10,4 bilhões. O contrato atual estabelece a concessão de 35 anos para construção, operação e manutenção do equipamento. Os próximos passos envolvem a elaboração do projeto executivo e a mobilização dos canteiros de obras em Salvador e Vera Cruz.

Para Claudio Villas Boas, CEO da Concessionária Ponte Salvador-Itaparica, a obra “vai integrar regiões, dinamizar economias locais e promover uma nova redistribuição de riqueza no estado”. Ele afirma que a empresa tem “buscado um diálogo participativo com as comunidades tradicionais da área de influência da obra”:

— É, acima de tudo, um projeto de desenvolvimento econômico e social, que impactará positivamente a vida de mais de 70% da população baiana, em cerca de 250 cidades.

Flexibilização do licenciamento

Especialistas ouvidos pelo GLOBO apontam que, se Lula sancionar sem vetos o projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, aprovado na Câmara na semana passada, haverá impacto no andamento da obra da megaponte.

— Caso se retire a obrigatoriedade de escuta dos órgãos federais responsáveis por povos tradicionais (caiçaras, indígenas, quilombolas e outros) e das comunidades em si, sabemos que estas tenderão a receber a maior parte dos prejuízos ambientais gerados pela economia na mitigação de danos dos projetos de infraestrutura, sobretudo os impactos na saúde, abastecimento de água e alimentação — ressalta Marcos Woortmann, cientista político e diretor-adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS).

Como mostrou o GLOBO, a aprovação do projeto colocou Lula em uma encruzilhada. De um lado, a ala à esquerda do governo, capitaneada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, cobra o veto ao projeto, que é alvo de críticas de pesquisadores, cientistas e diferentes entidades. Do outro, integrantes do Planalto com viés mais desenvolvimentista, grupo que abrange até petistas como Rui Costa, defendem que as mudanças podem ajudar a destravar obras pelo país, inclusive com dividendos eleitorais.

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